quinta-feira, 6 de novembro de 2014

E por que os portugueses não tem VadeMecum?


por Luciana Adorno Rios
      

Essa foi uma dentre as várias diferenças que eu como aluna de intercâmbio de uma Faculdade de Direito brasileira me deparei ao começar as aulas em Coimbra. Como uma estudante brasileira típica, fui a uma livraria comprar um VadeMecum e é claro sem sucesso voltei para casa sem ele, porque ele não existe naquele país.

Nas aulas, com a apresentação dos professores, percebemos na bibliografia indicada os livros são de edições antigas - cerca de cinco a dez anos - e muito das vezes esgotadas. Há poucos exemplares nas bibliotecas o que leva o próprio professor, que é o autor da obra, nos solicitar que tiremos cópias do seu livro. E na sala de leitura um outro fenômeno, uma máquina de reprodução, apta para a qualquer momento o aluno reproduzir qualquer obra.
São fatos estranhos para um acadêmico de direito acostumado a gastar muito em livros. Livros que aqui no Brasil são reeditados a todo ano, e o danado do VadeMecum renovado no mínimo de dois em dois. Sem falar é claro do crime de reprodução não autorizada de obras intelectuais.
O que acontece é que no Brasil há uma mercantilização e mecanização do ensino de direito, além de uma produção legislativa excessiva e que muita das vezes parece que a lei ultrapassa a velocidade da sociedade em alterar comportamentos.
Ao contrário de Portugal, onde existe um número limitado de faculdades de direito, e que são todas pagas e caras, aqui houve uma banalização do ensino, tanto na quantidade quanto na qualidade. Além da proliferação das faculdades de direito há diversos benefícios sociais que ajudam aqueles que nunca ascenderiam a um curso superior, como o ProUni e em Goiás a bolsa da OVG.
Diante disso as editoras percebem uma grande oportunidade financeira em lançar e relançar livros e estimular o consumo literário jurídico, que infelizmente em termos de qualidade fica a desejar.
Ainda mais que no Brasil, houve também a valorização do serviço público, ampliando ainda mais o mercado do conhecimento sintético das sinopses, resumos e cursinhos.
Percebe-se que o estudo do Direito no Brasil passou a ser mecânico, não há reflexão e sim uma mera reprodução. Na ânsia de preparar os alunos para o exame da Ordem ou para os certames nas carreiras jurídicas, a função acadêmica se perdeu. Decora-se os artigos, decora-se as teorias, decora-se as correntes doutrinárias. E a finalidade do Direito se esvazia. Juízes, promotores, procuradores, ministros viraram meros aplicadores da lei, sem nenhuma reflexão . Não é atoa que tantos princípios derivados da dignidade da pessoa humana são desrespeitados todos os dias pelos próprios operadores do Direito, mas esse é um tema para ou outro artigo.
A produção legislativa excessiva nos leva a uma insegurança jurídica e a um descrédito na efetividade social. Surge demasiadas teorias, correntes, entendimentos, infinitas correntes doutrinárias, que as vezes são apenas guerra de vaidades. Chega-se ao ponto do nosso Tribunal Supremo vir a modificar seu entendimento em determinada matéria por várias vezes em um curto espaço de tempo. Sem falar é claro no despreparo jurídico de nossos legisladores, que apesar de seus consultores, aprovam leis inúteis e ignoram as que realmente necessitam de inovação.

Não vou defender que o Direito português é melhor que o brasileiro, pois não é esse o meu objetivo. Eu quis apenas trazer uma reflexão sobre a situação do nosso ensino jurídico e quem sabe despertar em meus colegas um desejo de mudança.
Antes de criticar a qualidade de nossos professores, devemos começar a mudar nosso comportamento enquanto alunos. O professor nos mostra o caminho, mas quem tem que percorrê-lo somos nós. A leitura, a reflexão, a escrita é uma das formas.
Simplesmente caminhar pela estrada você chegará ao seu destino. Mas, parar para analisar as flores e o “porquê” que ela tem espinhos é aproveitar ao máximo a viagem que é o conhecimento.


Você concorda com minha opinião?
Deixe seu comentário aqui em baixo e vamos discutir, afinal essa é a ideia desse blog!







6 comentários:

  1. Concordo em partes, no tocante ao mercantilismo das editoras, autores, esta imensa produção legislativa, falta de repensar o direito, isto concordo, mas discordo que a socialização ,ampliação dos cursos seja um problema, além do do que, vejo os programas como necessários, e conhecimento tem que ser compartilhado e socializado mesmo,ainda mais num país desigual feito o nosso.

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  2. Concordo em partes, no tocante ao mercantilismo das editoras, autores, esta imensa produção legislativa, falta de repensar o direito, isto concordo, mas discordo que a socialização ,ampliação dos cursos seja um problema, além do do que, vejo os programas como necessários, e conhecimento tem que ser compartilhado e socializado mesmo,ainda mais num país desigual feito o nosso.

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  3. Excelente análise. Sobretudo ao referir-se à banalização do ensino do Direito no Brasil, alunos totalmente despreparados e em muitos casos deslumbrados com o 'status' de acadêmico de direito. A quantidade negligencia a qualidade, assim como, o mérito deu lugar à inaptidão. A consequência, evidentemente refletirá na sociedade, carente de operadores do Direito competentes e preparados.

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  4. Gostei muito da sua matéria e obrigado por partilhar sua experiência.

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  5. Concordo em alguns termos. O Vade Mecum nada mais é a compilação de todo o ordenamento jurídico pátrio. É como se chama no meio jurídico “a lei seca”, ou seja, sem comentários. Apenas, facilita ao aplicador do direito, levar consigo toda a legislação para consultá-la, caso necessário, em quaisquer ocasiões. A hermenêutica é individual e, além disso, se faz necessário uma linguagem jurídica rebuscada, notável saber jurídico e, muitas vezes desavisados por alguns, a sapiência da morfologia e semântica da língua portuguesa, no caso em comento. Aproveito o ensejo para alertar que o correto não é escrever “atoa”, e sim, “à toa”. Com os meus cumprimentos. Peço imensa desculpa. Obrigado.

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  6. Recomendações de livros atuais sobre o Direito em Portugal asism como livros de legislação Portuguesa

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